Vivemos num tempo em que se fala muito sobre a importância de impor limites. Aprender a dizer “não”, definir limites com os filhos ou cortar relações com pessoas consideradas “tóxicas” são temas muito populares. E sim, tudo isso tem o seu lugar. No entanto, há um lado da equação que raramente ganha o mesmo destaque: a importância de reparar rupturas, de restaurar conexões e de nutrir relações sustentáveis a longo prazo.
Quando observamos as necessidades emocionais mais presentes nas famílias e na sociedade, percebemos que o grande desafio não é necessariamente a desconexão – é a necessidade de conexão. E no entanto, grande parte dos conselhos que circulam promovem precisamente o oposto: o afastamento, o corte, a ruptura.
E se estivéssemos a exagerar na dose de “limites”?
É importante olharmos com honestidade para o desequilíbrio que se está a formar: falamos muito sobre limites e pouco sobre como nos reaproximarmos dos outros depois de um conflito ou de um afastamento.
Há uma certa tendência para abordagens mais individualistas, centradas no “eu” – no meu bem-estar, nos meus limites, no que é melhor para mim – descurando o impacto que as nossas decisões têm no outro. Quando alguém decide cortar uma relação porque considera a outra pessoa tóxica, raramente se pergunta: O que é que acontece a essa pessoa? Como é que essa relação poderia ser cuidada ou transformada, em vez de simplesmente descartada?
Mais do que impor, é preciso compreender
Quando falamos em “limite”, falamos de uma estratégia para nutrir uma necessidade – dignidade, segurança, respeito. Mas será que precisamos mesmo de impor um limite, ou precisamos de comunicar melhor o que se passa connosco? Nem sempre é necessário impor um muro. Às vezes, basta explicar com clareza aquilo que sentimos e necessitamos.
Por exemplo, no trabalho, posso dizer: “Compreendo que há muita coisa para fazer, mas o meu horário termina às 18h. Se surgirem mais tarefas, terei de as fazer no dia seguinte.” Aqui, não houve imposição agressiva – apenas uma afirmação clara com uma consequência natural. Não precisei de cortar a relação, apenas de ser honesto e claro com o que posso ou não fazer.
Comunicar limites não tem de ser um ponto final
Uma relação saudável implica abertura ao diálogo. Muitas vezes, quando comunicamos um limite, fazemos dele um ponto final. Mas o que acontece se, em vez disso, o tratarmos como um ponto de partida para uma conversa?
Especialmente nas relações que queremos preservar – com filhos, parceiros, amigos – é essencial que o limite seja apresentado com empatia e espaço para o outro também se expressar. Caso contrário, corremos o risco de usar o limite como uma barreira definitiva e não como uma oportunidade de clarificação e compreensão.
Reparar dá mais trabalho e traz mais possibilidades
Reparar exige esforço, nuance, escuta e disposição para olhar para a nossa parte na relação. É mais exigente do que simplesmente dizer “esta pessoa é tóxica”. Aliás, há uma diferença entre comportamentos tóxicos e pessoas tóxicas. Todos nós podemos, em certos contextos, agir de forma pouco saudável – e nem por isso deixamos de merecer compreensão e, quando possível, reconexão.
Se sempre que algo nos incomoda, cortamos laços ou nos afastamos, perdemos oportunidades valiosas de aprendizagem. Fugir do desconforto não nos ensina a criar relações saudáveis. Às vezes, o desconforto é o lugar onde começa a transformação.
Há quem seja exímio em impor limites… porque, na verdade, é inflexível. E há quem raramente ponha limites… porque é tão flexível que acaba por se anular. Talvez o caminho esteja no meio: sermos flexíveis o suficiente para aceitar a diferença, mas também atentos ao que nos faz mal – e capazes de comunicar isso com clareza e respeito.
Então, o que precisamos realmente? Mais limites ou mais conexão?
Refletir sobre estas perguntas pode ser útil:
- Será que preciso de aprender a impor limites ou melhorar a forma como comunico as minhas necessidades?
- Será que estou a perceber o que se passa comigo? E será que estou a perceber o que se passa com o outro?
Na maioria das vezes, a vontade de impor um limite nasce da incapacidade de reconhecer e comunicar uma necessidade não satisfeita. E, quando conseguimos fazer esse exercício, percebemos que há várias formas de cuidar de nós – nem todas passam por cortar, afastar ou impor.
Em resumo
- Saber comunicar limites é essencial;
- E é importante também saber ouvir, comunicar, reparar e reconectar.
- Um limite pode ser o início de um novo entendimento – não tem de ser o fim.
- Às vezes, em vez de cortar, podemos reparar.
- E talvez, mais do que limites, o que nos falte seja mais conexão.
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