“A minha frustração em relação a certos aspetos da vida humana vem do facto de eu ter uma expectativa do que poderia ser diferente.”

Pedro Vieira

Será possível definir o que queremos sem criar expectativas? Quais as diferenças entre intenções e expectativas? E entre objetivos e expectativas? O que acontece quando criamos expectativas?

Expectativa VS Objetivo e Intenção

Uma expectativa é algo que esperamos que aconteça. Está mais associada a uma ideia de probabilidade. Ao contrário do objetivo, ela é pela sua natureza passiva. Quando temos uma expectativa, tendencialmente enfrentamos no futuro um de dois estados: um estado de desilusão ou um estado de confirmação/alívio.

Exemplo:

● “Tenho a expectativa que a minha filha entre na universidade.” A minha filha entrou, sinto alívio. A minha filha não entrou, sinto desilusão.

● “Espero que isto corra bem.” Correu bem, sinto alívio. Não correu bem, sinto desilusão.

● “Espero que o meu companheiro me ajude.” O meu companheiro ajuda-me, sinto alívio. O meu companheiro não me ajuda, sinto desilusão.

Um objetivo é algo que queremos alcançar no futuro, algo que queremos viver, ter, fazer ou ser. É a afirmação de uma preferência, de uma vontade que se transforma numa ação.

Exemplo:

“Até a data xxx, eu quero concluir este projeto.”
Perante um objetivo definido, também vamos ter uma manifestação, no entanto, não será tanto de desilusão ou de alívio, mas sim mais de contentamento ou de tristeza, por exemplo. No caso da tristeza, ela é mais fácil de ser traduzida em informação e ação.

Exemplo:

Eu não consegui. E agora, o que vou fazer com isto?
No caso de uma expectativa gorada, demoramos mais tempo a transformar isso numa ação.

Uma intenção é algo que está no presente, sendo diferente do objetivo que está mais relacionado com o futuro. Além disso, ao contrário do objetivo que é mais específico, a intenção tende a ser mais abstrata.

Exemplo:

“Tenho a intenção de ser mais alegre na minha vida.”

Por vezes o objetivo é a especificação da intenção.

Exemplo:

“Tenho a intenção de ser um pai presente.” → O que isso quer dizer especificamente? Como é que no futuro posso saber que sou um pai presente? É respondendo a essa pergunta que começo a formular algo que se aproxima de um objetivo.
Tanto objetivos como intenções podem facilmente transformar-se em expectativas.

Exemplo:

“Quero que o meu filho seja responsável.”
Quando a intenção é só relativamente ao outro, ela transforma-se numa expectativa em relação ao outro. Para ser uma intenção nossa, poderíamos dizer algo como: “Tenho a intenção de ensinar ao meu filho o que é responsabilidade.”; “Tenho a intenção de ser responsável.”

Tanto as expectativas como os objetivos são olhares sobre o futuro, as expectativas sendo abstratas e os objetivos sendo práticos, específicos e de ação. Na linguagem informal, os dois conceitos quase se confundem.

Exemplo:

“Espero que amanhã o teste me corra bem”.
Não significa que não vou fazer nada para que isso aconteça, no entanto o facto de dizer isso cria uma certa pressão em relação ao futuro: se não me correr bem, eu vou ficar desapontado. Quando “espero” há mais emoção envolvida, torna-se mais emocional.
Se eu disser: “O meu objetivo é que o teste corra bem”. A pressão já não existe pois o teste vai correr como vai correr.

Há uma outra diferenciação interessante de se fazer entre expectativa e esperança. A expectativa convida-nos a esperar passivamente enquanto a esperança convida-nos a agir ativamente. Da expectativa nasce muitas vezes a desilusão e da esperança nasce muitas vezes a concretização. A tensão interna é também ela diferente consoante dizemos “tenho esperança” ou “espero que / tenho a expectativa de”.

Exemplo:

● Joguei no Euromilhões e tenho esperança de ganhar VS tenho a expectativa de ganhar.

● Eu tenho esperança que a minha filha entre na universidade VS a minha expectativa é que ela entre na universidade.

A expectativa é a raiz do sofrimento?

O surgimento de expectativas é natural para o ser humano, no entanto, muitas das nossas frustrações surgem perante aquilo que nós esperamos que aconteça no nosso relacionamento romântico, com os nossos filhos, no trabalho, na nossa vida em geral. Ouvimos muitas vezes a frase “a expectativa é a raiz do sofrimento” porque sem expectativa, em princípio, o sofrimento não aconteceria.

O contrário de resistência é a aceitação. Normalmente entramos em resistência porque temos a expectativa de como vai ser. Essa expectativa é que está na raiz do sofrimento. E está presente em todas as áreas da nossa vida, sendo que, em algumas áreas, pode ser mesmo difícil não criar expectativas.

Exemplo:

● Relacionamentos românticos são uma das grandes fontes de sofrimento. Muitas vezes está presente a expectativa de que com amor tudo se resolve. Temos um grande condicionamento para o amor condicional, isto é, um amor cheio de expectativas: sobre como o outro deve falar connosco, sobre como devemos equilibrar as tarefas da casa e da família; sobre como o outro se deve comportar quando estamos presentes; etc. Daí ser tão importante conversar sobre as expectativas que existem num relacionamento.

● Estou doente e tenho expectativas para o que possa acontecer à minha volta quando estou doente: de ser cuidado, de haver silêncio, consideração, de receber amor, etc.

● Expectativa consoante a idade: em relação à aparência que posso ou não ter, ao comportamento que posso ou não ter, às competências do meu corpo com determinada idade; ao facto de em determinada idade ter de ser financeiramente independente; ter de ter uma família; etc.

● Pais que criam muitas expectativas em relação à prática de Parentalidade Consciente.
Aprendem uma forma de comunicar mais consciente e depois de experimentar dizem que não funciona por causa da criança não ter tido um comportamento expectável.

● Conto alguma coisa a alguém e tenho a expectativa de como essa pessoa deveria reagir.
Quando a expectativa não é atendida, há sofrimento em relação ao comportamento do outro.

Quando temos expectativas em relação ao comportamento dos outros, ficamos muitas vezes desiludidos. Isso também pode levar a que possamos resistir em definir objetivos por causa das expectativas que possam ser criadas pelos outros, pois as expectativas dos outros têm como consequência o facto de nós termos de nos relacionar com elas a seguir.

Assim, libertarmo-nos de expectativas em relação a resultados e comportamentos contribui muito para o nosso bem-estar como também para o bem-estar do outro e da nossa relação com ele.

Alternativas à expectativa

“A abertura à reação do outro cria muitas mais possibilidades.”

Mia

Em vez de expectativas, podemos refletir sobre as nossas intenções, sobre como nos queremos sentir na nossa relação amorosa, no nosso trabalho, na nossa relação com os nossos filhos, sobre como queremos fazer os outros se sentirem. Em função disso, iremos fazendo escolhas e lidando com o que se for revelando e manifestando. Isso em si traz mais flexibilidade.

Podemos também trocar expectativa por esperança. Uma convida a esperar, outra a agir. Esperar que algo corra bem é bem diferente de ter esperança de que algo corra bem. Esperar é uma coisa, esperançar é outra.

Podemos não gostar do resultado mas podemos aceitá-lo e lidar com ele como é. Podemos sentir dor, ficar tristes, frustrados sem haver o sofrimento da expectativa. Quando aceitamos sem expectativas, normalmente entramos mais rapidamente na análise prática daquilo que temos à nossa frente.

Exemplo:

● O meu filho está a jogar videojogos e digo-lhe que é tarde e que está na hora de desligar. Ele pode reagir de muitas formas. Se eu tiver a expectativa de ele desligar rapidamente e sem reclamar, esta pode ou não acontecer. Se não acontecer, eu posso entrar em sofrimento. Eu até posso ter expectativas pela negativa: “Já sei que não vai desligar logo e que vai protestar.” Se eu conseguir me desligar da expectativa e me ligar ao objetivo de comunicar ao meu filho que é hora de desligar, eu irei mais facilmente lidar com a situação e ajustar-me mais rapidamente à ela da forma como ela for surgindo, pois já não terei a pressão emocional presente.

● Com o aparecimento da pandemia, algumas pessoas conseguiram encontrar alternativas ao fim de alguns dias para o seu negócio, os seus relacionamentos, etc. Outras pessoas continuaram (e continuam) durante semanas e meses em sofrimento porque continuaram a lidar com expectativas para a sua vida que não aconteceram conforme previsto.

Assim, o convite é fazermos escolhas e tomarmos decisões com base em informação factual, em objetivos ou intenções em vez de expectativas, pois fazer escolhas e tomar decisões com base em expectativas cria mais potencial para não correr como previsto e, assim, causar sofrimento.

Em jeito de conclusão, será também importante lembrar que criar a expectativa de que não vamos ter expectativas pode ser bem desafiante. Muitas vezes, só descobrimos que tínhamos certas expectativas depois de começarmos a sofrer. Por isso, o melhor convite é deixar partir as expectativas, incluindo a expectativa de não ter expectativas!

“Entre expectativa e realidade, há uma coisa que podes mudar e não é a realidade. Podes

influenciar a realidade, mas a realidade atual que se formou com base no passado é o que é.

Agora tu podes é libertar-te do facto de teres uma expectativa e lidar com as coisas da forma

como são.”