Nunca houve tanta gente a tomar antidepressivos e ansiolíticos e a reportar estados emocionais desafiantes como atualmente. Neste artigo, vamos procurar explorar uma explicação mais fisiológica e biológica.

O corpo não foi desenvolvido para a saúde. O cérebro não foi desenvolvido para o bem-estar.

O nosso corpo não foi desenvolvido para gerar saúde e o nosso cérebro não vai sozinho gerar os caminhos para a felicidade, ou seja, o nosso sistema quer prosperar e isso significa fazer transmissão de genes, sobreviver. Neste sentido, quando dizemos que o cérebro não foi desenvolvido para o bem-estar, a proposta é que aquilo a que chamamos hoje de bem-estar (estar tranquilo; sentir-se bem; sentir amor) provavelmente não são as preocupações fundamentais de um sistema que quer assegurar a sua continuidade.

Assim, o corpo e o cérebro foram desenvolvidos para assegurar sobrevivência e reprodução e, nesse sentido, a poupança de energia é essencial, só que na nossa sociedade isso não nos é favorável.

Ansiedade e depressão são… normais!

Muitas vezes, ansiedade e depressão são duas coisas que nós tendemos a tratar como coisas problemáticas e que queremos alterar de alguma forma. No entanto, na sua essência, são completamente normais e têm sido muito úteis na história evolutiva do ser humano. Se nós tratarmos a ansiedade e a depressão como fenómenos normais, muita coisa muda, como a forma como conseguimos ou não estar bem enquanto não estamos bem.

O que acontece é que nós tendemos a sentir ansiedade em relação à ansiedade e ficamos deprimidos em relação à depressão e até sentimos ansiedade em relação à depressão e depressão em relação à ansiedade. Essas combinações têm um grande efeito sobre o nosso sistema e são essas combinações que precisam ser tratadas terapeuticamente ou até com a ajuda de fármacos. 

Exemplo:

Em relação a um estado de depressão, posso sentir medo, ficar preocupado, ficar mais ansioso, pensar como vai ser no futuro ou achar que nunca mais vou sair desse estado. Estou a alimentar o ciclo em vez de olhar para o estado em causa com curiosidade: “Estou a sentir-me ansioso, isto é o meu cérebro que está a funcionar exatamente como deve funcionar, está a utilizar o seu alarme de incêndio e a sua capacidade de se preocupar para me proteger e garantir a minha sobrevivência.”

O cérebro como um alarme de incêndio.

O nosso cérebro funciona como se fosse um alarme de incêndio. Um alarme de incêndio pode disparar de vez em quando sem verdadeiro perigo, por exemplo, quando estamos a fazer alguma coisa no fogão e sai bastante fumo. Quando o alarme dispara, nós não ficamos preocupados com o funcionamento dele nem ficamos muito ansiosos em relação a isso, depois de termos parado o que estávamos a fazer e termos investigado a causa.

Se nós entendermos que o nosso cérebro funciona como um alarme de incêndio, ficamos muito mais capazes de perceber e fazer aquilo que é suposto fazermos quando o alarme dispara.

A tarefa do nosso cérebro é prevenir perigos, ou seja, ele avisa quando há um barulho, quando há uma situação que o nosso sistema interpreta como perigosa e, apesar de nem sempre fazer sentido logicamente, são sistemas muito antigos que entram em funcionamento sem a nossa intervenção. É automático.

Exemplo:

Podemos ficar ansiosos, tristes e deprimidos no local de trabalho, onde em princípio não está a acontecer nada que ponha em causa a nossa sobrevivência ou a nossa integridade mas nós agimos como se isso estivesse a acontecer pois é dessa forma que o nosso sistema interpreta certos sinais, certas coisas que as pessoas nos dizem, certas notícias.

Há uma grande diferença quando estamos conscientes disso ou quando agimos só com esse automatismo.

O Funcionamento Humano

Necessidade → Emoção → Pensamento → Comportamento

Nós humanos temos uma necessidade de nos sentirmos seguros, precisamos ter uma segurança vital que assegura a nossa sobrevivência. Além disso, temos uma série de outras necessidades (conexão, reconhecimento, exploração, conhecimento, etc.). É como se essas necessidades estivessem ligadas à segurança vital. Quando essas necessidades são postas em causa, a nossa segurança vital pode ser posta em causa de alguma forma. Quando temos necessidades insatisfeitas, nós sentimos emoções desagradáveis. Quando temos necessidades preenchidas, sentimos emoções agradáveis. 

Exemplo:

  • Quando tenho fome, posso ficar irritado/a.
  • Quando sinto falta de reconhecimento, posso ficar triste. 
  • Após um jantar romântico muito bom, posso sentir-me satisfeito/a.

Mediante o que se está a manifestar no nosso corpo, vamos produzir, de forma consciente ou inconsciente, uma série de pensamentos que são seguidos pelo nosso comportamento.

Curiosidade…

Se olharmos para o modelo do sistema humano da Neuro Estratégia, a emoção que surge após a satisfação ou insatisfação da necessidade é uma emoção muito reativa, acontece antes de começar a pensar sobre isso. Ela é intermediada por certos processos, por isso é que diferentes pessoas perante um mesmo estímulo vão preencher ou não as suas necessidades e vão ter emoções diferentes.

O pensamento é aquilo que em Neuro Estratégia é chamado de reflexão ou pensamento consciente, ou seja, o pensamento a que conseguimos prestar atenção. Ele nem sempre acontece devido à rapidez com que as coisas acontecem: há uma necessidade insatisfeita, há uma emoção associada à insatisfação e há imediatamente um comportamento que por sua vez gera um ciclo. Por isso é que às vezes temos ciclos de comportamento/emoção, comportamento/emoção e só mais tarde nos damos conta que nem refletimos sobre o que aconteceu. Foi tudo muito automático.

Exemplo:

Estou no local de trabalho e ouço o meu chefe gritar com um colega. O meu alarme de incêndio pode disparar com esta situação. Eu posso começar a sentir desconforto, ficar preocupado com o meu colega mas posso escolher sair da sala porque é mais seguro assim. Neste caso, o sistema nervoso entra na chamada fuga. Também poderia ter outro comportamento, por exemplo, entrar em luta e ir para junto do meu colega para defendê-lo perante o chefe. 

Em resumo…

Tendemos a olhar para o comportamento como sendo aquilo que queremos mudar para nos sentirmos melhor. Só que aqui a proposta é que se conseguirmos refletir e entender melhor o que está a acontecer connosco, às vezes isso por si só vai fazer com que naturalmente o comportamento seja diferente. Será por isso interessante fazermos esta auto-observação e termos consciência que reside muito poder na possibilidade do pensamento e da reflexão.

Podemos concluir que o ser humano não é uma máquina pensadora que consegue sentir emoções, mas sim uma máquina emocional com necessidades que consegue pensar.

Curiosidade: Coisas que nos fazem sentir bem, de acordo com a ciência

A investigação aponta para as seguintes estratégias de bem-estar:

  • A forma como utilizamos a nossa respiração é determinante para o nosso bem-estar, pois é o caminho mais direto para nos conectarmos com o nosso sistema nervoso e que mais rapidamente muda a nossa fisiologia. 
  • É fundamental saber descrever o que sentimos e necessitamos com palavras na comunicação com os outros, através do desenvolvimento do nosso vocabulário de emoções e necessidades. (link para artigo: O que é Literacia Emocional)
  • É importante conhecer e compreender a forma como funcionamos (biologicamente / fisiologicamente / emocionalmente / psicologicamente)
  • É fundamental utilizar o corpo a sério, por exemplo, com uma caminhada acelerada, uma corrida, um exercício físico que nos permite transpirar e que mexe o corpo. Quando não é possível utilizar o corpo devido a alguma limitação, existem outras estratégias.
  • É crucial privilegiar o tempo de recuperação, isto é, ter o sono em dia, averiguar a quantidade de descanso que estamos a ter. E aqui não conta usar a meditação como um substituto do sono. Ela pode ser usada como um complemento, mas quando já existe um défice de sono, é importante primeiro regular o sono.
  • A comunidade que nutre é determinante.Não precisa de ser uma comunidade muito grande, mas sim uma comunidade onde nos sentimos vistos, compreendidos e seguros. Apesar de uma comunidade física parecer ter benefícios maiores, hoje em dia muitas pessoas encontram essa comunidade que nutre online.