Em primeiro lugar, será importante distinguir entre conflito e discussão.
Um conflito acontece quando existe divergência de opiniões, perspectivas e ideias, quando uma pessoa quer uma coisa e outra pessoa quer outra, não sendo necessariamente uma discussão.
Quando falamos em discussões, falamos de momentos em que duas ou mais pessoas têm dificuldade em valorizar os pontos de vista umas das outras ou têm dificuldade em criar intenções comuns. Podemos dizer que uma discussão é acima de um conflito, não é apenas um conflito. Assim, um conflito transforma-se numa discussão quando começam a surgir certos estados emocionais e quando começamos a ter falta de certos recursos que são muito úteis para lidar com diferenças de opinião.
Exemplo:
- Quando estou mais cansado física e mentalmente, é mais fácil sentir-me irritado/a e iniciar uma discussão.
- Quando estou com fome, os meus recursos de paciência e empatia diminuem.
De acordo com a Programação Neurolinguística, a nossa fisiologia influencia o nosso estado emocional que, por sua vez, cria um impacto sobre os nossos pensamentos. Portanto, quando estamos cansados, com fome, doentes (alteração da fisiologia), surgem certos estados emocionais – ou ausentam-se certos estados emocionais – fazendo com que pensemos de uma determinada forma e nos comportamos de uma determinada forma.
Obviamente, nem todas as discussões acontecem só porque estamos com fome ou sono. No entanto, é algo a considerar quando nos encontramos no meio de uma discussão ou quando estamos prestes a iniciar uma discussão. Além disso, podemos também questionar: o que aconteceu nas horas anteriores?
Exemplo:
- Estive muitas horas a fazer uma coisa que não me apetecia?
- Recebi más notícias?
- Estive a interagir com pessoas que foram muito chatas?
- É uma acumulação de coisas que aconteceram durante o dia?
Os 4 Cavaleiros do Apocalipse
John Gottman é um célebre psicólogo americano, reconhecido pelo seu trabalho na área de relacionamentos e terapia do casal e em trabalhos sobre emoções, que podem ser encontrados em The Gottman Institute.
O seu interesse é explorar situações onde há discussões, independentemente daquilo que estava a acontecer antes da discussão e independentemente da nossa fisiologia. A sua teoria, denominada Os 4 Cavaleiros do Apocalipse, também procura perceber qual é a probabilidade de um casal se manter juntos: quanto mais cavaleiros estiverem habitualmente presentes nas discussões ou na relação, menor será a probabilidade de se ter uma boa relação e maior será a probabilidade de haver uma separação. Abordemos então cada um dos 4 Cavaleiros.
O Cavaleiro da Defensividade
É aquele que muitas vezes se faz de vítima, que acusa o outro, que julga muito o outro, e que não assume responsabilidade, acha que a responsabilidade é sempre do outro. Ou seja, quando esse cavaleiro está presente, a pessoa procura defender-se, contra-atacar. Quem fala pode dar uma série de argumentos mas quem ouve não tenta perceber esses argumentos, foca-se apenas em defender-se e justificar a razão por ter feito algo, de forma a ter razão e criar quase como uma manobra de diversão relativamente ao que o outro está a sentir.
Exemplo:
- Não consigo fazer diferente porque…
- Sou sempre eu o culpado/a.
- Eu só fiz isso porque…
O Cavaleiro da Crítica
É aquele que procura atacar o caráter/identidade do parceiro, que está sempre a falar do outro e não de si mesmo/a. Muitas vezes, utiliza generalizações como “sempre” e “nunca”.
Exemplo:
- Tu és sempre assim.
- Tu nunca me ouves.
- Tu fazes sempre a mesma coisa.
- Tu és tão irresponsável.
O Cavaleiro do Desprezo
É aquele que revira os olhos ou levanta levemente o canto do lábio em modo de desprezo. Além de revirar os olhos, é também aquele que age com superioridade, que se acha superior ao parceiro. Diz-se que, entre um casal, se um deles ou ambos utilizarem muito essa linguagem, o revirar os olhos é um indicador de que a relação não está muito bem.
Exemplo:
- Tu não percebes nada disto.
- Chamar nomes ao outro.
O Cavaleiro da Incomunicabilidade/tratamento de silêncio
É aquele que se desliga do que está a ser dito e faz outra coisa, que fica calado, que vai embora, que se afasta, que faz de conta que está ocupado, que não se envolve na discussão.
O que fazer?
A proposta não é tanto ver o que o outro está a fazer, a proposta é refletirmos sobre quais desses cavaleiros estamos nós a utilizar. A proposta também é refletir e definir qual a intenção para a relação. Assim, se a nossa intenção for ter uma relação agradável e duradoura, então é mais fácil perceber o que fazer a seguir e praticar uma comunicação mais consciente:
>> Reconhecendo a partilha do outro e mostrando que o estamos a ver e ouvir.
>> Falando sobre nós, sobre aquilo que conseguimos observar da forma mais isenta possível.
>> Partilhando o que sentimos nessa situação.
>> Partilhando o que precisamos nessa situação.
>> Pedindo a opinião do outro, fazendo um pedido claro ou uma pergunta ao outro.
Exemplo:
A pessoa A partilha algo como: Estou muito zangado com aquilo que tu fizeste há bocado, quando estávamos a falar com aquelas pessoas e tu me trataste mal.
A pessoa B pode dizer algo como: Estás muito chateado, o que aconteceu?
A pessoa A responde: Então há bocado, quando estávamos com aquelas pessoas, tu trataste-me mal à frente delas.
A pessoa B continua: O que fiz para te sentires assim? Sentiste vergonha com algo que eu disse? E depois pode dizer: Não foi mesmo essa a minha intenção, peço desculpa por isso ter acontecido.
Aqui o importante é procurar reconhecer o outro, a sua experiência, usar a curiosidade em vez de um dos cavaleiros; ativar a empatia para procurar relacionar-se com aquilo que o outro está a sentir; ajudar o outro a verbalizar melhor o que está a acontecer consigo.
Para isso, é fundamental lembrarmo-nos de que se nós olharmos para todo o comportamento como uma forma de comunicarmos as nossas necessidades, podemos perceber que na base da irritação, frustração, zanga e tristeza da outra pessoa, está uma necessidade por satisfazer.
E quando é difícil aplicar na prática?
Aplicar isso, principalmente com adultos, pode ser difícil pois podemos ter a sensação que só nós é que estamos a fazer algo diferente na comunicação, enquanto que o outro continua a utilizar os Cavaleiros. No entanto, se nós não utilizarmos os Cavaleiros e comunicarmos ao outro o que observamos, o que sentimos, o que precisamos, o que queremos de forma clara e honesta, isso diminui a probabilidade do outro utilizar os Cavaleiros.
Dito isto, é natural que surja frustração quando aumentamos a nossa consciência em relação àquilo que está a acontecer quando discutimos (principalmente quando oferecemos um input diferente ao outro), mas do outro lado, a reação é mesmo assim feita através do uso de um dos Cavaleiros. Podemos ficar com a sensação de que é injusto.
Enquanto que numa relação de parentalidade podemos assumir que toda a responsabilidade é nossa enquanto adulto, na nossa relação com o nosso parceiro, não queremos assumir toda a responsabilidade pela nossa relação. Numa relação a dois é importante que ambos assumam 100% da responsabilidade da relação.
E isso às vezes pode ser mesmo injusto quando um assume os seus 100% e o outro assume 0%. E quem assume 0% até pode pensar que a relação não está a correr assim tão mal, sem tomar consciência que o outro está a assumir a responsabilidade toda. Há momentos em que isso pode ser pesado. Nesses momentos, a parte mais consciente da relação pode usar os seus 100% de responsabilidade para assumir que a relação já não lhe serve como está, sendo necessário o fim ou a alteração da natureza da relação, através de uma reflexão em conjunto com humildade, igual valor, curiosidade e empatia.
E quando estamos no meio de uma discussão e estão a faltar alguns recursos? Quando nos desviamos? Quando temos uma discussão que não corre bem? A proposta é lembrarmo-nos que existe sempre o momento de reconexão a seguir. Para isso, é essencial ter a coragem para não fazer de conta que a discussão não existiu. O momento após uma discussão oferece-nos a possibilidade de autorreflexão para observar o que aconteceu e perceber que Cavaleiros estavam presentes. Essa reflexão ajuda na reconexão pois permite-nos ganhar consciência para partilhar com o outro a seguir. É esse momento de reconexão que nos permite fazer diferente no futuro. Quanto mais conseguirmos fazer essa reconexão de forma saudável, maior será a probabilidade de conseguirmos evitar estas situações no futuro.
“Para eu conseguir mudar o padrão, tenho que reconhecer o padrão.”
____________________________
Outros temas que te podem interessar:
>> A empatia como ponto de partida para melhores relacionamentos
>> Como ter mais paciência nos relacionamentos?