Quando falamos em gratidão, muitas vezes, não há uma reflexão verdadeira sobre o que é e de onde vem a gratidão. Por isso, será interessante questionarmo-nos como é que a nossa relação com a gratidão foi desenvolvida, isto é, como fomos ensinados sobre gratidão.

Muitas vezes, a gratidão surge de uma forma impositiva: “Tenho de agradecer”; “Tenho de estar grato/a pelo que tenho na minha vida.”

Exemplo:

Uma criança que não quer comer ou que come pouco e ouve o adulto dizer: “Tu devias estar grata, há meninos em África que não têm comida.”

Isso em si não ajuda a criança a sentir-se grata pois, se tivermos em conta o desenvolvimento infantil, a criança não consegue sequer fazer essas ligações e ter esse entendimento.

Por outro lado, a gratidão pode estar ligada a uma positividade tóxica porque não há espaço para falar sobre aquilo que não gostamos na nossa vida. No entanto, não é porque só apontamos as coisas pelas quais estamos gratos que as outras coisas desaparecem da nossa vida.  

Outras vezes, a gratidão é utilizada como uma espécie de prática protetora. Em lugar de uma reflexão mais profunda sobre o que é a gratidão, de onde vem e como pode ser sentida e ampliada, é mais algo como: “Deixa-me manifestar gratidão para me proteger em relação a coisas más.”; “Deixa-me dizer que estou grato senão isto ainda pode ficar pior.”

Neste seguimento, a prática da gratidão pode impedir-nos de mergulhar nas coisas e no seu significado.

Exemplo:

“Acordo de manhã e faço 5 minutos de gratidão.”

Embora a investigação mostre que isso nos ajuda a mobilizar recursos interessantes, às vezes, isso é vivenciado apenas como algo que está na nossa check-list diária e que deve ser feito, não nos permitindo realmente desenvolver uma atitude de gratidão.   

Que emoções e pensamentos provocam a palavra gratidão?

Muitos respondem que a gratidão provoca coisas boas. No entanto, quando exploramos mais a fundo, podemos perceber, por exemplo, que pode provocar culpa e vergonha, precisamente nas situações em que nós achamos que deveríamos estar gratos por tudo o que temos na nossa vida em vez de só nos sentirmos mal.

Todo o conceito gera também o seu oposto pelo que, muitas vezes, quando dizemos que estamos gratos por algo, também estamos a comunicar a nós próprios que: “Se eu estou grato por isto, quando isto não está presente, então eu não estou grato”. Daí a gratidão acionar, por vezes, emoções e pensamentos que parecem ser o seu oposto.

Gratidão como consequência natural

Quando praticamos gratidão, percebemos que a gratidão surge como uma consequência natural e faz parte de uma vida com atenção plena e presença consciente.A gratidão nasce quando observamos e reconhecemos que as nossas necessidades estão a ser preenchidas.

Exemplo:

Posso estar grato por acordar de manhã, pela luz do sol ou por ter uma casa porque isso preenche determinadas necessidades minhas.

Quanto mais treinarmos esse fluxo de gratidão, mais momentos de vida vamos ter para sentir gratidão. Podemos até achar que a gratidão, como consequência natural, pode ser expressa através da ideia: “A vida é o que é e estou grato por isso”, isto é, “Independentemente de como seja a vida, eu estou grato por isso”. Portanto, vamos estar sempre gratos.

No entanto, é importante tornarmos isso consciente porque se estamos gratos por tudo na nossa vida, para a maioria das pessoas isso não é bem verdade. Não conseguimos evocar a emoção de gratidão em relação a tudo, em todos os momentos da nossa vida. Mas podemos prestar atenção a todas as coisas na vida que preenchem as nossas necessidades.  

Como é que o fluxo de gratidão cresce?

As 4 formas principais são:

  • Em conjunto com os outros. Se felicidade e gratidão surgem de mãos dadas, então em conjunto com os outros podemos fazer a gratidão crescer.

  • Quando entendemos o poder pessoal que temos em contribuir para a felicidade dos outros. Não é só quando contribuímos ou quando agimos, é quando ficamos gratos por reconhecer em nós esse poder que temos em contribuir.
  • Com curiosidade e abertura, quando olhamos à nossa volta e descobrimos coisas que ajudam o fluxo de gratidão a aumentar.

  • Quando podemos escolher livremente. Isto está ligado à forma como somos ensinados para a gratidão. No caso da gratidão imposta, quando sentimos que a gratidão não é uma escolha verdadeiramente livre, mas sim algo forçado, a gratidão não flui.

A ilusão do pensamento negativo e do pensamento positivo

Por vezes, substituímos um pensamento negativo por um pensamento positivo. Quando fazemos apenas essa substituição, perdemos a nossa sensibilidade para o que está a acontecer no momento presente, tendemos a abafar uma série de coisas que também são verdade para nós nesse momento. 

Exemplo:

Ao abafar a tristeza, a vergonha, a culpa e a desilusão, também abafamos a alegria, a gratidão e outras emoções de felicidade porque não as podemos sentir por inteiro.

Quando conseguimos ter essa sensibilidade para o que está a acontecer no momento presente, se esse momento for tristeza, vergonha ou culpa, podemos fazer uma espécie de luto dizendo: “É realmente isto que estou a sentir neste momento e não estou a conseguir aceder à gratidão porque tenho estas emoções.”

Esse reconhecimento e espaço para aquilo que está em nós pode ser um acesso à gratidão, no entanto, primeiro temos de olhar para essas coisas.

Exemplo:

  • A tristeza por ter acabado uma relação.
  • A irritação por ter partido o telemóvel.

Se não nos permitirmos sentir a tristeza ou a irritação, não temos acesso ao fluxo natural de gratidão e podemos querer substituir esses pensamentos por: “Tenho é que estar grata porque tenho um telemóvel”.

É bom lembrar que, às vezes, a gratidão pode surgir como uma estratégia para não entrarmos dentro de outras emoções que estavam presentes num determinado momento. Esta consciência é um dos grandes segredos para um estilo de vida de gratidão.  

Dicas para desenvolver uma atitude de gratidão

1. Pensa num ato que outra pessoa fez e que satisfez alguma necessidade tua. Se quiseres, toma nota por escrito.

Exemplo:

“Alguém foi generoso ao deixar-me passar num cruzamento e satisfez a minha necessidade de chegar a horas e de me sentir respeitado.”

2. Reconhece verbalmente alguém, quer seja conhecido ou desconhecido. Pode ser algo que a pessoa fez no momento presente ou no passado. Diz a essa pessoa o que ela fez especificamente, como isso te fez sentir e que necessidades tuas é que a ação dela satisfez. 

Exemplo:

“Pedro, fizeste o jantar hoje e além de super saboroso, senti-me tranquila e em paz porque tive um momento sentada no sofá, sem fazer nada e como estava muito cansada, eu precisei mesmo de descansar. O facto de teres feito o jantar, ajudou-me a satisfazer essa necessidade.”

3. Pratica auto-gratidão. Lembra-te de algo que aprecies, que aconteceu durante o dia ou no passado – pode ser algo pequeno ou grande – e conecta-te com a necessidade que foi satisfeita e com a sensação que tiveste nesse momento.

Exemplo:

Estou a planear a ementa semanal e faço pratos novos que me levam a sentir-me feliz e tranquila porque isso satisfaz a minha necessidade de experiência e novidade, de trazer mais variedade para a ementa, e satisfaz a minha necessidade de previsibilidade ou de contribuir para o bem-estar da minha família.

Notas:

Quando pensas em “ainda bem que fiz isto”, isso pode transformar-se num momento de auto-gratidão. Por outro lado, é necessário um momento de reflexão para esta prática não se tornar auto-centrada impedindo o fluxo de gratidão.

4. Mantém conversas contigo e com outras pessoas sobre a prática de gratidão de forma a refletir sobre:

  • Eu tendo a reconhecer mais facilmente o contributo dos outros para mim e para as minhas necessidades num determinado tipo de situações? Em que outras situações não estou a fazer isso?
  • Será que também consigo me sentir grato/a quando certas coisas não estão presentes ou quando estão presentes coisas opostas àquelas que dizia que necessitava para sentir gratidão?

Essas reflexões ajudam-nos a trocar a prática de gratidão pela atitude de gratidão, sendo um convite a descobrirmos que necessidades nossas estão a ser satisfeitas consoante os momentos.