Existe uma linha ténue que separa influência de manipulação. Como detetar e estabelecer essa linha? Será que devemos ter em conta as nossas necessidades quando influenciamos os outros?
Este é um tema fundamental para todos os que querem aprender a influenciar de forma ética e a proteger-se da manipulação não ética!

Influência VS Manipulação


A linha que distingue estes dois processos não é óbvia e pode ser muito subjetiva. Às vezes, só conseguimos saber se manipulamos ou influenciamos em função do impacto que criamos. No entanto, há certos pontos que nos ajudam a perceber melhor a diferença entre influência e manipulação.


Quando estamos a influenciar, estamos sobretudo focados nas necessidades do outro e estamos a procurar criar um impacto que seja benéfico e ecológico para o outro. Estamos assim muito atentos à satisfação das necessidades e à criação de mais e melhores possibilidades na vida do outro. Mesmo assim, nesse processo, podemos também considerar as nossas próprias necessidades.


Exemplo:
Estou a vender um produto ou um serviço, estou muito focado em satisfazer as necessidades do outro, em criar possibilidades e em ter um impacto positivo na vida dele e estou também a satisfazer as minhas próprias necessidades como vendedor do produto ou serviço. No entanto, não coloco as minhas necessidades à frente das necessidades do outro.


Quando estamos a manipular, usamos um processo mais mental e emocional e colocamos as nossas necessidades em primeiro lugar. Torna-se mais importante para nós satisfazer as nossas necessidades, mesmo que à custa das necessidades do outro. Na Comunicação Não Violenta, falamos de “poder sobre” e “poder com”. Quando exercemos o poder sobre alguém, apenas temos em conta as nossas necessidades. Quando exercemos o poder com, temos em conta as nossas necessidades e as necessidades da outra pessoa.


Nota:
Convém frisar que a manipulação não é sempre algo deliberado, pois o próprio manipulador pode fazer isso de uma forma inconsciente, tendo por base a sua história pessoal e a forma como aprendeu a comunicar. Há pessoas que manipulam e não têm consciência disso.


Como saber se estamos ou não a manipular?


Como referido anteriormente, existe uma linha subjetiva e às vezes imprevisível.
Podemos achar que estamos a influenciar e que estamos muito focados nas necessidades do outro e depois o impacto da nossa influência acabar por se revelar uma espécie de manipulação, em função das decisões que o outro toma e da forma como interpreta o que lhe estamos a dizer.


Exemplo:
Estou a influenciar e noto que do outro lado há uma aceitação extremamente rápida da minha influência e acho que a pessoa não está a ter um sentido crítico.


Nesses casos, é importante assegurar a liberdade de escolha. Quando é manipulação, tendemos a sentir que não temos uma verdadeira liberdade de escolha. Quando há um processo de influência, sentimos que temos liberdade de escolha. E sendo a liberdade de escolha uma perceção que nem sempre é fácil de se ter, quando influenciamos, é essencial reforçar a possibilidade de escolha.


Exemplo:
Nesses momentos, eu posso questionar a minha influência: “O que achas sobre isto?”; “Como isto poderia ser mau para ti?” Dessa forma, garanto que a pessoa tem de facto escolha e noção de escolha.


Quando estamos a manipular, não queremos que a pessoa tenha escolha, quando muito, queremos que ela tenha uma falsa sensação de escolha.


Exemplo:
Eu quero combinar uma reunião com uma pessoa e para mim isso tem de acontecer nos próximos dois dias, porque tenho um objetivo de vendas para atingir. Utilizo a estratégia “Double Bind” em que proponho duas opções: “Queres marcar a reunião para amanhã ou depois de amanhã?” Há uma escolha, mas as escolhas são restringidas a duas opções que são boas para mim.


Se quiséssemos praticar influência, poderíamos usar uma linguagem diferente e dizer algo como:
“A mim dava-me jeito que a reunião fosse amanhã ou depois de amanhã. Alguma destas datas é boa para ti?” A outra pessoa pode responder que não e pedir para arranjar outras opções.


No marketing, vemos muitas vezes estratégias que visam limitar as opções, através do princípio da escassez, e que podem não ser a verdade.


Exemplo:
“Reserva já, restam apenas 5 vagas” (quando na verdade há mais).


É importante ter presente que quando a pessoa sente que tem opção de escolha, tende a sentir-se mais responsável por isso. Pelo contrário, quando não sente essa opção de escolha, tende a não sentir-se tão responsável. É por isso que quando são usadas técnicas mais agressivas de manipulação em processos de venda ou numa relação, também aumenta a probabilidade de haver mais queixas, confusão ou conflito posteriormente.


Exemplo:
Quero ir de férias para um sítio e a minha mulher não quer, pelo que arranjo forma de dar-lhe a volta e conseguir o que quero. Há mais probabilidade de haver conflito durante as férias pois a mulher não sentiu que tinha liberdade de escolha.


Por outro lado, quando estamos a manipular, e como estamos sobretudo interessados nas nossas necessidades e não nas do outro, tendemos a fazer isso de uma forma oculta e sem dar informação suficiente mesmo que essa esteja disponível.


Exemplo:
● Ao dar as duas opções para a reunião (amanhã ou depois de amanhã), não digo a razão pela qual para mim é melhor nesses dias.
● Quero marcar uma reunião e quero que a pessoa chegue a horas e valorize o meu tempo, pelo que, apesar de ter a agenda livre, dou-lhe apenas duas opções com horários pensados de forma a passar a ideia que tenho a agenda cheia e que o meu tempo é valioso (10h25; 15h50; etc).


Quando estamos a influenciar, podemos manifestar o interesse próprio, a razão pela qual isso também é importante para nós e porque acreditamos nisso.


Exemplo:
(tendo em conta os exemplos anteriores)
● Posso dizer algo como: “Se conseguíssemos marcar até depois de amanhã, para mim seria ótimo pois é o dia em que fechamos os resultados na empresa. Se não der para ti, arranjamos outra solução.” Há uma abertura e transparência.
● Posso investigar de que outras formas posso comunicar as minhas necessidades. Poderia dizer algo como: “Neste momento consigo marcar na hora que quiser amanhã de tarde. No entanto, é importante para mim ter só 20 minutos reservados para a nossa reunião. Posso pedir-lhe para entrar em contacto comigo caso surja algum atraso?”

O grande problema da manipulação é que, mesmo que não seja de forma intelectual ou que não haja uma noção clara de que está a acontecer, nós somos hábeis a reconhecer quando somos manipulados. Há um reconhecimento inconsciente, temos uma sensação, há qualquer coisa que não bate certo, há uma certa tensão no nosso corpo.


Por isso, se sabemos que estamos a querer propor algo que é benéfico para a outra pessoa, por que não utilizar uma linguagem mais clara, honesta e transparente? Podemos achar que de outra forma a pessoa não ia decidir-se e colocamo-nos num papel de sermos nós a decidir por ela, retirando escolha à pessoa com uma argumentação de que isso é bom para ela.


Na parentalidade, tendemos a utilizar muito a estratégia da argumentação.


Exemplo:
Quero convencer o meu filho a tirar um curso universitário que ele não quer e os argumentos vão no sentido de isso ser bom para ele, possibilitar um futuro promissor, ser uma profissão que dá dinheiro, criar muita segurança, etc.
Claro que as argumentações também podem encaixar num quadro de influência, só que a influência não é dizer o que é para fazer. É mais uma proposta de coisas que podem ser interessantes considerar conforme o outro faz a sua escolha, chamando a atenção para coisas que o outro não está a considerar.


Exemplo:
Continuando com o exemplo anterior, posso dizer algo como: “Olha aqui para os dados de empregabilidade neste momento com os vários cursos”; “Olha para todas as ramificações deste curso”. Em princípio, desta forma, estamos a trazer mais informação de forma a melhorar a qualidade da escolha.


Em conclusão, a manipulação está mais na estrutura e não tanto no conteúdo e apesar de parecer algo sem grande importância, rapidamente esta estrutura pode passar para coisas maiores onde a mesma linha de argumentação é usada. É recorrendo a este tipo de estruturas internas que nós fazemos parte de uma sociedade que aceita a manipulação (na política, na publicidade, no marketing, nas redes sociais, nas relações pessoais, etc).


O que fazer para evitar a manipulação?


Sempre que comunicamos com alguém, estamos a criar algum tipo de impacto: ou afetamos ou infetamos. Afetar sendo uma influência positiva (criar crescimento, oportunidade, escolha, clareza) e infetar sendo uma manipulação (diminuir escolha, levar a fazer algo que não é bom para a outra pessoa, servir-se da outra pessoa).


Por isso, sempre que estivermos na dúvida se a nossa conversa ou proposta, num ambiente pessoal ou profissional, vai no sentido da influência ou da manipulação, podemos nos questionar:


➢ Valorizei / Estou a valorizar as necessidades do outro? São as minhas necessidades que estão a falar mais alto? Ou as do outro?
➢ Fui / Estou a ser transparente e honesto? Estou a falar a verdade?
➢ Aumentei / Estou a aumentar a escolha ou a qualidade da escolha? Estou a oferecer opção de escolha?


Também podemos fazer um exercício de troca de posição e questionar:


➢ Se eu estivesse no lugar do outro, qual seria a forma mais limpa e honesta de eu receber essa informação? Haveria outra forma de comunicar que promovesse mais a influência
positiva?


É com base nestas respostas que surge o convite para investigarmos como podemos exercer influência de uma forma que seja mais ecológica, transparente e honesta.


“ A manipulação nunca é ética, há sempre outra forma melhor de promover mudança.”